quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Cinema é antídoto contra a tuberculose

Por  Sol Mendonça | Redação Viva Favela | RJ


Cinema é entretenimento, mas seu conteúdo também pode ser um meio de ajudar as pessoas a romper com o estigma, o preconceito, o medo e a falta de informação em questões urgentes de saúde pública, como as epidemias. 

Apostando nesta ideia, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) lançou o segundo edital de vídeos sobre saúde e selecionou o documentário “Doenças Negligenciadas – Tuberculose Tem Cura”,  produzido pela Ventura Filmes e codirigido com a Contrafluxo Digital, com previsão de lançamento para março de 2015.

Filmado em setembro na favela da Rocinha, Rio de Janeiro, em Recife, Manaus e numa região indígena, na Amazônia, o documentário aborda a tuberculose, uma doença com tratamento e cura, mas que infelizmente ainda mata muitas pessoas, inclusive crianças, no Brasil. Para os realizadores e a patrocinadora do filme, doenças que atingem principalmente os países e as populações mais pobres precisam estar na pauta do dia. Por isso, este foi o tema escolhido entre os 40 outros inscritos. 

Essa é a segunda vez que a Fiocruz investe em vídeos independentes que abordam questões relevantes para a saúde pública. O valor do patrocínio é de mais de R$170 mil.

“A Fiocruz sempre teve foco na comunicação”, diz o professor de Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde (ENSP-Fiocruz), José Wellington Araújo, que também faz parte do Conselho Curador do selo Fiocruz Video, responsável pela área de audiovisual da empresa. “Na década de 1910, os pesquisadores da Fiocruz já viajavam, fotografando e documentando o interior do Brasil. Eles estavam fazendo comunicação”, explica. “E o que isso tem de importante? A saúde não é só distribuição de remédios, a informação sobre prevenção e tratamento é o verdadeiro antídoto”. 

O editor do selo Fiocruz Video, Homero Teixeira de Carvalho, conta que a instituição tem um acervo de produções próprias com 8 mil filmes. Este material está disponível para cópia gratuita a 300 usuários cadastrados em todo o Brasil, como secretarias de saúde, escolas e universidades públicas e associações de moradores. Além disso, qualquer pessoa pode escolher um vídeo deste catálogo e comprar em formato DVD (com capa e fotos) a preço de custo (R$ 10,00 em média). É uma fonte pública de pesquisa e está disponível no site da Fiocruz. 

Ao contrário do primeiro edital para a produção de novos vídeos, em que os temas eram livres, desta vez alguns assuntos foram sugeridos pelos organizadores. O professor José Wellington defendeu as doenças negligenciadas, ou seja, doenças que afetam as áreas e as populações pobres: “Há uma negligência de políticas públicas em saneamento básico, habitação e manejo ambiental nas regiões pobres. As doenças são negligenciadas pelos órgãos públicos”, alerta. 

No filme, o agente conduz à cura

A cineasta Ieda Rozenfeld sempre se interessou em fazer filmes que tratassem de temas sociais. Fez curso de cinema etnográfico na Fiocruz e, em seguida, foi ao Acre filmar o documentário “Doenças Pós-Enchentes” em uma área de extrema pobreza. A experiência mexeu com ela. “Vi que muitos problemas de saúde pública ainda acontecem por falta de informação”, diz ela, que também perdeu um irmão vítima de tuberculose. “As pessoas vivem em condições precárias e isto é agravado porque elas não sabem o perigo que estão correndo”, desabafa.  

Quando soube do edital, Ieda procurou uma produtora que tivesse experiência com cinema em favelas e encontrou na Ventura Filmes a parceria perfeita. André Di Kabulla, sócio e diretor, diz que sempre se incomodou com a falta de interesse dos cineastas pelo assunto: “Desde a faculdade, meus sócios e eu percebemos que todo mundo era mais voltado para a Zona Sul do Rio e para o cinema francês. Queríamos falar do outro lado da cidade. A Ventura é, por essência, uma produtora de periferia, que faz filmes sobre cultura popular, como as rodas de samba do subúrbio. O projeto da Ieda interessou porque falava dos moradores de rua, da população carcerária, dos indígenas e dos moradores de favelas”, conta ele.

A primeira parada da equipe foi a favela da Rocinha, São Conrado, na Zona Sul do Rio, local conhecido por seus becos estreitos e aglomerados habitacionais. O ambiente é perfeito para a proliferação de doenças transmitidas pelo ar, caso da tuberculose. Em seguida, eles filmaram com a população carcerária e moradores de rua de Recife. As últimas filmagens aconteceram no Amazonas, partindo de Manaus, parando em Nova Olinda do Norte e, por fim, em Kuata Laranjal, na região da etnia indígena Munduruku. “Fomos a primeira equipe de filmagem a entrar lá”, orgulha-se.

Na Rocinha, a equipe conheceu Rita Smith, ex-paciente de tuberculose, moradora da Rua 4 (famosa por concentrar casos de tuberculose) e ex-agente comunitária de saúde. Rita é conhecida por onde passa. No documentário, virou protagonista.  André explica que o que seria um filme de uma instituição de saúde, com os especialistas à frente e ilustrado com imagens, acabou se tornando um documentário onde o agente de saúde é o protagonista.

No filme, é Rita quem conduz os realizadores, o que o torna essencialmente humano. “Ao descobri-la, descobrimos a essência do filme. O que fizemos no resto do Brasil foi cópia do que foi feito na Rocinha”. Já a diretora diz que Rita é exemplo de alguém que venceu a tuberculose: “A história dela merece ser conhecida. Ela é um modelo para quem acredita que está no fundo do poço”. Rita não só venceu, como ajudou outros na comunidade. Em 11 anos atuando como agente de saúde na Rocinha, ela se orgulha de nunca ter perdido um paciente durante o tratamento. Todos se curaram. Ela tem motivos para comemorar.

O abandono do tratamento é uma das questões importantes que o filme aborda. No caso da tuberculose, esta ainda é considerada uma questão grave. Mas quando o paciente interrompe o tratamento, de quem é a culpa? Rita pergunta: “Ele abandona ou é abandonado? Longe de mim querer apontar inocente e culpado, a gente tem que procurar a solução.” O professor José Wellington parece concordar. “A Organização Mundial da Saúde admite 5% de abandono. Acima de 10%, considera-se que é o sistema que está abandonando o paciente. O melhor agente de saúde é o paciente que se curou”, conclui.

Enquanto o documentário não é lançado, é possível acompanhar a produção com fotos e material de pesquisa nas redes sociais. Acesse a fanpage “Documentário Doenças negligenciadas: Tuberculose tem cura” no Facebook e veja fotos das filmagens.