*Tradução do texto de Jennifer Furin, MD., PhD, extraído do jornal The Huffington Post
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Nas montanhas remotas da África do
Sul, Matsepo levanta às 3h da manhã para começar o dia. Ela tem um trabalho
importante a fazer, trabalho que é uma questão de vida ou morte. Tal começo tão
cedo é necessário para que ela se arrume e prepare o chá antes de acordar sua
magrinha e agitada neta de cinco anos, Ntabaleng. Ela ergue sua neta nos ombros
para começar a caminhada de quatro horas até a clínica mais próxima. A mãe de
Ntabaleng não pode fazer isso porque morreu, vítima da mesma tuberculose
drogarresistente (TB-DR) que é responsável pela jornada diária de Matsepo com
sua preciosa neta. Ntabaleng deve ir à clínica para fazer o tratamento, porque
ela tem que receber injeções diárias, que são parte da sua terapia para TB-DR.
Ainda que seja difícil para ela juntar forças até para levantar a cabeça, ela grita
assim que a agulha entra em sua pele. “Faça isso parar, vovó”, ela chora, “faça
parar”.
Há milhares de quilômetros, Alma,
também, acorda de madrugada. Ela percorre os corredores de um hospital na
Califórnia onde seu filho também vai encarar em breve sua própria batalha com o
monstro chamado TB-DR. O Antônio, de nove anos, fez um desenho dele próprio,
vestido com uma capa de super-herói, batendo no vilão da TB, desenhado como um
redemoinho preto, verde e vermelho. Mas Alma sabe que este garoto corajoso em
breve estará chorando enquanto ele se engasga com os 19 comprimidos que ele
toma todos os dias. Os amarelos o fazem vomitar, e enquanto ela refresca sua
testa suada com um pano frio, Alma ouve um sussurro: “faça isso parar, mamãe”,
ele implora, “faça isso parar”.
O dia 24 de março foi designado como
Dia Mundial da Tuberculose, e ainda que este tipo de data comemorativa seja
muito comum, é um dia para reflexão global sobre como as ações para a tuberculose podem ser mais
eficientes , até porque se estima que pelo menos um terço da população esteja infectada com a bactéria
que causa a doença. A menos que ações
radicais sejam tomadas, a TB-DR é uma das três doenças infecciosas que matarão mais do que o câncer até 2050. Estima-se que 33 mil crianças adoecerão por
TB-DR a cada ano. Mais um milhão de pessoas são infectadas a cada ano com a
bactéria, que se espalha pelo ar, de adultos para crianças, cujo principal
fator de risco é a respiração. Muitas dessas crianças ficarão doentes e
morrerão sem sequer saber do quê.
“Temos que fazer tudo o que está ao
nosso alcance para acabar com esse sofrimento. Está nas nossas mãos fazer isso
parar”.
Acredite ou não, Ntabaleng e Antonio
são duas crianças sortudas nessa luta épica entre saúde e TB-DR. Eles foram, na
verdade, diagnosticados e estão sendo tratados. Mas crianças como Ntabaleng e
Antonio, que sofrem tanto, podem ser consideradas sortudas? As bênçãos podem
ser relativas, mas quando se considera a situação terrível de TB-DR pediátrica,
é difícil concluir que existem vencedores.
Este é o estado-da-arte: diagnosticar
TB-DR em crianças ainda passa por uma tecnologia antiga, e pacientes
pediátricos têm que passar por procedimentos dolorosos – como aspiração traqueal ou gástrica – além de retirada de amostras para testes. Depois de diagnosticadas,
essas crianças ainda terão que encarar desafios significativos para acessar o
tratamento. De fato, ainda que, aproximadamente, 33 mil casos de TB-DR ocorram a cada ano em crianças, menos de mil recebem a terapia apropriada. E esse
tratamento – não importa em que parte do mundo essas crianças vivam – é brutal.
Consiste em medicações múltiplas (incluindo injeções diárias) que podem causar
efeitos adversos pesados, como surdez, psicose e falência do fígado. É um
testamento à resiliência das crianças quando elas se saem melhor que os adultos
com esse regime exaustivo de medicamentos. Mas essa terapia diária difícil, que
dura de 18 a 24 meses, coloca um fardo pesado sobre seus pequenos ombros e nos daqueles que cuidam dessas crianças. E quase nenhuma criança que tenha sido
exposta à TB-DR recebe os cuidados pós-exposição, que poderiam ter impedido,
inclusive, a primeira infecção.
Os avanços recentes no tratamento de
TB-DR trouxeram muita esperança para os adultos que sofrem com a doença.
Perversamente, as crianças ficaram para trás quando se fala na implementação
dessas inovações. Há duas novas drogas que foram aprovadas por autoridades de
regulação severas e recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para o tratamento de TB-DR. As recomendações da OMS, entretanto, são apenas para
algumas pessoas acima de 18 anos, ainda que uma das novas drogas – delamanida
(Otsuka Phamraceuticals) – tenha se mostrado segura e efetiva em crianças de seis anos. Outro problema para as crianças com TB-DR em relação à delamanida –
uma droga que poderia potencialmente substituir a terrível injeção – é que a
droga só foi registrada para uso na União Europeia, no Japão e na Coreia do
Sul. O registro para delamanida não está nem pendente na maioria dos países em
que já foi testada, incluindo a África do Sul. Nem está pendente nos Estados
Unidos. E até que esse registro aconteça, a maioria das crianças que precisam
desesperadamente do medicamento terá que seguir sem ele.
O Dia Mundial da TB se torna uma
fachada se eventos que o marcam não estão ligados a ações específicas. As
crianças afetadas pela TB-DR nos deram um mandato claro ao qual deveríamos nos
apegar nessa data comemorativa: fazer com que isso pare. Demandar que novas
drogas para crianças sejam registradas; que diretrizes globais sejam
rapidamente atualizadas para endossar tratamentos melhores para as crianças;
que doadores priorizem as iniciativas de financiamento que tenham foco nesta
população vulnerável; que medidas de prevenção pós-exposição se tornem uma parte
da rotina de cuidado. Que quando se fale em TB-DR entre essas casualidades, nós
façamos tudo que está ao nosso alcance para acabar com o sofrimento deles. Está
nas nossas mãos fazer com que isso pare.
Este
post é parte da série ‘Um olhar para o câncer aéreo do isolamento’, produzida
pelo The Huffington Post para o Dia Mundial da TB.
Essa série pretende destacar os graves problemas relacionados à tuberculose, a
doença infecciosa que mais mata no mundo. Para acompanhar a conversa no
Twitter, busque #WorldTBDay.